quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Jardins Obscuros.



Marika Ryu



Entrar num jardim outro,
flores diferentes.
Tenho estado a guardar este poema
há quatro dias, uma eternidade,
como quem guarda um filho,
como se fuera solo para ti.

Num tom tão meio obscuro,
revisito-te agora e nesta noite e sobretudo
agora e esta noite,

esse pequeno-almoço entre fiambre e algumas tiras secas
de queijo sem expressão, um sentimento fluido por café e:
o dedo sobre os lábios, devagar
à medida que ouvias:
respostas sem tamanho ou solidez (as minhas),
cosas oscuras, replicas de nada.

Alimento-te assim de coisas outras,
lembradas, retrazidas de tão longe:
uma mesa tão curta de café, e coisas que não soube.
Não falarei de corpo, mas de esse também falo,
embora e sobretudo outros lugares:

as minhas tão minúsculas, paradas, nuas hesitações
- que te neguei -
e o tempo que não soube.
Sobretudo, esse tempo que não soube.

Estive hoje aí, também, nessa esplanada.
A mesa onde estivemos: mesa ao lado, metonímia da mesa
onde estivemos.
E como : em mim agora uma paixão?
E como apaixonar-me?

Um jardim onde papoilas
ou jasmins, ou :
outra flor qualquer, que tanto faz,
que ao menos no poema te digo sem saber
das coisas muito ínfimas, concretas,
de hoje a hoje,
que é mais como dizer : quotidianos, que talvez
me fariam não dizê-lo.

Não te conheço bem.
Não te sei das manias, de se dormes assim, de lado ou não,
ou se gostas de arroz com açafrão, ou dele, ausente, o arroz.
Não te sei viver dia após dia.
E como apaixonar-me?
E como uma paixão que nunca ausência?

Mas isto de pensar em ti, about you,
and let the words go wild o'er fields of grain make other fields go wild...

ah, que este tempo é duro, e incerto, e curto,
e estas paragens:
curtas como trevos.

A coragem é esta: a do poema.
Embora o açafrão não me disfarce
a pena do amor que não se fez,
a paixão de um regresso impossível, intacto,
àquilo que não fiz.

Ah fields of grain, ah, prairies full of bees,
dispensando mais restos: abelhas, trevos, sonhos.
Ou um jardim diferente.
Ou um jardim -


Ana Luísa Amaral in Se Fosse Um Intervalo.

3 comentários:

  1. gosto tanto deste tom coloquial na poesia dela... obrigada, senhora das flores a caminho da festa, por estas palavras :)

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  2. * suspiro *

    ah, que este tempo é duro, e incerto, e curto,
    e estas paragens:
    curtas como trevos.


    bonne voyage *

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