quarta-feira, 18 de julho de 2012

Trabalho de casa.


Ivan's Childhood, Tarkovsky.


Nenhuma palavra. Promete-me que nenhuma palavra, se por nenhuma quiseres dizer sincera. 




terça-feira, 17 de julho de 2012

Caminho de ferro.

Desconhecido


Será que sentes?
Conseguirás tu sentir o meu amor a ir na tua direcção, comovido pela beleza deste país, desta terra humilde e descrente, promessa e perda misturadas? Este lugar tem a cara dos meus e dos teus avós, sonha com conquista mas não quer luta, anda de cabeça baixa mas tem as costas largas e leva as suas crianças sempre pela mão.
No pesado gesto do seu afecto, estão anos de solidão, de olhos postos num mar que não retribui e a serenidade de, ainda assim, ser este o seu lugar.

2 de Julho, 16:18.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Escrever-te.

Desconhecido


Pensei que não sabia escrever sobre nós.
Que estímulo, quando se vão as penas?
E, no entanto, sem nenhuma música a tocar, sem a linha do recorte do porto de leixões, sem lirismos de corda - só a lembrança do dedo às escondidas, no banco de trás - as mãos fazem-se poema, o amor o salvamento que vale a pena dizer.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Manifesto contra a moderação e outras coisas, outras.

Desconhecido

É fodido andar assim, pé ante pé e tento na língua, impedida de abanar o barco, enganada pela promessa de chegar a bom porto, não vá o diabo tecê-las e a malta descobrir que até sabe nadar, que nunca se vai ouvir gritar ‘Terra à vista!’ porque já não há quem grite, é fodido andar assim, fazer paciências e ensaiar falinhas mansas, se não for hoje é amanhã, valha-nos a crença na instituição e nas gargalhadas dos amigalhaços, quando só nos assalta a concordância do verbo ‘ser’, no futuro do indicativo, fingir que é mentira, que a história nunca teve lugar, que só bate o pé quem não conhece a moderação, a análise paciente e as resoluções a longo prazo, o ‘há-de compensar’ dos pataratas, que mais vale sê-lo do que parecê-lo e ninguém tem que saber o que nos vai na alma, branquear a verdade, passar uma borracha nas Amélias, nas Isabéis, nas Marias, sejam elas três ou só uma, de seu nome minha mãe, tapar-lhes a boca, aos Cesarinys, aos Negreiros, e a todos os que os tinham no sítio, fazer ouvidos moucos aos ensinamentos dos mais velhos, à luta de braço no ar, à conversa franca, aos murros na mesa e ‘resolvemos isto lá fora’, passar a usar o botão do colarinho apertado, antes a falta de ar do que a falta de pulmão, com a vergonha escondida nos bolsos, mais os bilhetes por comprar dos teatros, das exposições, das viagens de avião, rabiscos de ideias de emancipação e a cabeça em ambulância, como dizia a Neto Jorge, outra que também nunca escreveu, antes pensar assim, que a lista de gente capaz de dizer o que pensa já é longa e uma gaja fica a cismar.
É fodido andar assim, hipotecar os sonhos todos de uma vez, reescrever a história, aprender que agora quem manda é a barata e é nas nossas veias que corre o seu sangue, esquecer a professora da escola de ballet, de olhos arregalados e nariz empinado, que nos mandava gritar em grupo, no inicio da aula, passar uma borracha no Uivo do Ginsberg, nas letras da Patti Smith, na ‘puta que vos pariu a todos’ do Saramago e voltar ao manual das meninas bem comportadas, atrofiar as mãos, os punhos, à falta de os erguer no ar, de os vestir d’ameaça, que só nao andou à bulha quem nunca defendeu uma ideia, fingir-me distraída e absorta e não ver que não há quem nos empurre, que andamos todos a cagar e a tossir, que este silêncio não mata mas mói, que nos ilude, nos trapaceia como o maior dos patifes, dos pífios e arrependidos, dos vira-casacas sem nada por que lutar.
É fodido andar assim, a desejar baixinho pôr fogo à peça, de ampulheta no bolso e calendário na parede, amanhã é que é dia, a voz a querer fazer-se protesto, a não ser só voz, a ser crítica, a ser aviso, a ser a certeza da vontade, de só valer a pena se a alma não for pequena, de não as poder desiludir, de as querer de volta, às Colaço, às Rey-Monteiro, às Castro, às Carmo, às Lacerda que te piscam o olho em jeito de desafio, em jeito de promessa, que te há-de sair do pêlo mas não há-de ser em vão.

É fodido andar assim, ter as contas todas certas, as rimas bem amanhadas, o lápis afiado e a cantiga na garganta, os olhos postos na tela ou lá em cima, alguém que me dê um sinal, o coração perto da boca, o sangue a ferver e ser sempre a mesma história: a palmadinha nas costas, a complacência, o afago no cabelo, ‘tem lá calma, que assim não vais a lado nenhum.’
Perceber que o lado nenhum é sempre algum, que o que nos vale é a destemperança. Mil vezes a destemperança. Mil vezes a destemperança.


Maria Teresa Coutinho