domingo, 1 de março de 2015

Um chá.

Ela foi cruel com ela porque a achou bonita.
A minha mãe tinha-me dito das mulheres que odeiam mulheres, vá-se lá saber porquê.
A essas, gostava de as convidar a todas a tomar um chá, mas de madrugada.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Trabalho de casa.


Ivan's Childhood, Tarkovsky.


Nenhuma palavra. Promete-me que nenhuma palavra, se por nenhuma quiseres dizer sincera. 




terça-feira, 17 de julho de 2012

Caminho de ferro.

Desconhecido


Será que sentes?
Conseguirás tu sentir o meu amor a ir na tua direcção, comovido pela beleza deste país, desta terra humilde e descrente, promessa e perda misturadas? Este lugar tem a cara dos meus e dos teus avós, sonha com conquista mas não quer luta, anda de cabeça baixa mas tem as costas largas e leva as suas crianças sempre pela mão.
No pesado gesto do seu afecto, estão anos de solidão, de olhos postos num mar que não retribui e a serenidade de, ainda assim, ser este o seu lugar.

2 de Julho, 16:18.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Escrever-te.

Desconhecido


Pensei que não sabia escrever sobre nós.
Que estímulo, quando se vão as penas?
E, no entanto, sem nenhuma música a tocar, sem a linha do recorte do porto de leixões, sem lirismos de corda - só a lembrança do dedo às escondidas, no banco de trás - as mãos fazem-se poema, o amor o salvamento que vale a pena dizer.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Manifesto contra a moderação e outras coisas, outras.

Desconhecido

É fodido andar assim, pé ante pé e tento na língua, impedida de abanar o barco, enganada pela promessa de chegar a bom porto, não vá o diabo tecê-las e a malta descobrir que até sabe nadar, que nunca se vai ouvir gritar ‘Terra à vista!’ porque já não há quem grite, é fodido andar assim, fazer paciências e ensaiar falinhas mansas, se não for hoje é amanhã, valha-nos a crença na instituição e nas gargalhadas dos amigalhaços, quando só nos assalta a concordância do verbo ‘ser’, no futuro do indicativo, fingir que é mentira, que a história nunca teve lugar, que só bate o pé quem não conhece a moderação, a análise paciente e as resoluções a longo prazo, o ‘há-de compensar’ dos pataratas, que mais vale sê-lo do que parecê-lo e ninguém tem que saber o que nos vai na alma, branquear a verdade, passar uma borracha nas Amélias, nas Isabéis, nas Marias, sejam elas três ou só uma, de seu nome minha mãe, tapar-lhes a boca, aos Cesarinys, aos Negreiros, e a todos os que os tinham no sítio, fazer ouvidos moucos aos ensinamentos dos mais velhos, à luta de braço no ar, à conversa franca, aos murros na mesa e ‘resolvemos isto lá fora’, passar a usar o botão do colarinho apertado, antes a falta de ar do que a falta de pulmão, com a vergonha escondida nos bolsos, mais os bilhetes por comprar dos teatros, das exposições, das viagens de avião, rabiscos de ideias de emancipação e a cabeça em ambulância, como dizia a Neto Jorge, outra que também nunca escreveu, antes pensar assim, que a lista de gente capaz de dizer o que pensa já é longa e uma gaja fica a cismar.
É fodido andar assim, hipotecar os sonhos todos de uma vez, reescrever a história, aprender que agora quem manda é a barata e é nas nossas veias que corre o seu sangue, esquecer a professora da escola de ballet, de olhos arregalados e nariz empinado, que nos mandava gritar em grupo, no inicio da aula, passar uma borracha no Uivo do Ginsberg, nas letras da Patti Smith, na ‘puta que vos pariu a todos’ do Saramago e voltar ao manual das meninas bem comportadas, atrofiar as mãos, os punhos, à falta de os erguer no ar, de os vestir d’ameaça, que só nao andou à bulha quem nunca defendeu uma ideia, fingir-me distraída e absorta e não ver que não há quem nos empurre, que andamos todos a cagar e a tossir, que este silêncio não mata mas mói, que nos ilude, nos trapaceia como o maior dos patifes, dos pífios e arrependidos, dos vira-casacas sem nada por que lutar.
É fodido andar assim, a desejar baixinho pôr fogo à peça, de ampulheta no bolso e calendário na parede, amanhã é que é dia, a voz a querer fazer-se protesto, a não ser só voz, a ser crítica, a ser aviso, a ser a certeza da vontade, de só valer a pena se a alma não for pequena, de não as poder desiludir, de as querer de volta, às Colaço, às Rey-Monteiro, às Castro, às Carmo, às Lacerda que te piscam o olho em jeito de desafio, em jeito de promessa, que te há-de sair do pêlo mas não há-de ser em vão.

É fodido andar assim, ter as contas todas certas, as rimas bem amanhadas, o lápis afiado e a cantiga na garganta, os olhos postos na tela ou lá em cima, alguém que me dê um sinal, o coração perto da boca, o sangue a ferver e ser sempre a mesma história: a palmadinha nas costas, a complacência, o afago no cabelo, ‘tem lá calma, que assim não vais a lado nenhum.’
Perceber que o lado nenhum é sempre algum, que o que nos vale é a destemperança. Mil vezes a destemperança. Mil vezes a destemperança.


Maria Teresa Coutinho

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Desdém.



Odeio-te de um ódio pequenino, de uma raiva comezinha, de um desprezo ensaiado. Quero-te longe, ali ao virar da esquina e nunca mais te ver. Salvo as horas que passar debruçada na janela, em bicos de pés, a prometer a mim mesma que não grito. Quero pôr-te com dono, num avião para o outro lado do hemisfério, sem bilhete de regresso. E fazer paciências em casa, em sobressalto, sempre que ouvir ranger as escadas.

Quero que partas de uma vez, malas e bagagens, sem olhares para trás.
E que me deixes uma pista, um mapa, um enigma por resolver, que me leve até ti todas as noites.

domingo, 12 de junho de 2011

Insónia.



Não sei com que raio de milongas e macumbas te entreténs, mas estás a dar cabo de mim.
Descansa, só te cobro igual insónia.