quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Radial.


Jackson Eaton.


a clarinha olhou o moço e não pensou na boca, na perna torta, no manchado da sua pele, pensou apenas que estaria ali parada, quieta, algo submissa, a sentir que coisa ele quisesse fazê-la sentir. o seu coração explodindo casa toda e até pelos campos como um acontecimento radial que mudaria universo inteiro da terra às estrelas. foi assim que ficou estendida na cama, deitada de olhos pregados no tecto, muito pouca luz, com o joão da porta já se despindo e antevendo o corpo dela sob a camisa de dormir. ele então aproximou-se e tocou-a. o meu corpo, diz ela, está como de velho. só sabe estar como de velho, reiterou. ele deitou-se sobre ela e beijou-a perfeito para a cultivar. ela pensou que ia morrer de felicidade.

Walter Hugo Mãe in Os Campos de Velho

3 comentários:

  1. radial? radical, do inicio, do fundo, do começo. bom começo, re-começo, re-inicio, re construção...

    food for thought, poema antigo de um homem vermalho e um beijo de boa noite:

    http://boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3981&ReturnCatID=1773

    (a pensar nisto e na propriedade, do espírito, da terra e do corpo. abdicar das regras é o desafio)

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  2. Mais um para me alimentar também. Como sempre, mesmo que não percebas.

    Recomendas-me o Walter?

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  3. Há uns tempos deixei este no meu canto. Mais cómico:

    "de noite, a maria da graça sonhava que às portas do céu se vendiam souvenirs da vida na terra. gente de palavras garridas que chamava a sua atenção com os braços no ar, como quem tinha peixe fresco, juntava-se em redor da sua alma e despachava por bagatelas as coisas mais passíveis de suprir uma grande falta aos que morriam. os últimos charlatães, pensava ela, envergonhada até por ter de pensar depois de morta, ou que talvez fosse coisa boa antes de se entrar no céu ser dada a oportunidade de levar um objecto, uma imagem materializada, algo como prova de uma vida anterior ou extrema saudade. ela pedia-lhes que a deixassem passar, ia à pressa, insistia, sabia mal o que fazer e não podia decidir nada sobre nada. seguia perplexa e não querendo arriscar a ganância de se depositar na eternidade a partir de um acto de posse. por uma compreensível angústia, ansiedade ou frenesi de ali estar tão pela primeira vez, mantinha a esperança de que talvez são pedro a esclarecesse e, com um pé lá dentro e outro ainda fora, lhe fosse possível comprar o requiem de mozart, a reprodução dos frescos de goya ou a edição francesa das raparigas em flor."


    valter hugo mãe in o apocalipse dos trabalhadores

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